Sabores de Natal : as delícias das tradições gastronómicas em Portugal

ROMA 05 Li

As celebrações de Natal em Portugal trazem consigo uma rica e antiga tradição culinária que remonta a séculos. A ceia de Natal é um momento especial para as famílias portuguesas, que se reúnem em torno da mesa para partilhar pratos típicos.
Mas se diferentes regiões de Portugal têm as suas próprias especialidades, alguns elementos são comuns a todo o país, entre eles, o bacalhau, o peru assado, as rabanadas, as filhoses e, claro, o famoso Bolo-Rei. Cada prato conta uma parte da história e da cultura portuguesas, e muitos têm raízes em tradições religiosas e rituais pagãos que foram adaptados ao longo dos séculos.

O Bacalhau da Consoada

A tradição de comer bacalhau na noite de 24 de dezembro, conhecida como Consoada, é um dos rituais mais antigos do Natal português. Este prato, que simboliza a simplicidade, é tradicionalmente servido com batatas, couves e ovos cozidos, regados com azeite. A escolha do bacalhau pode estar relacionada com a tradição católica do jejum de carne durante certos períodos religiosos, especialmente na véspera de Natal.
Embora o bacalhau tenha raízes que remontam aos tempos dos Descobrimentos, quando era preservado através da secagem e salga, o seu consumo generalizado em Portugal começou a consolidar-se no início do século XX e a sua popularidade aumentou significativamente após a Segunda Guerra Mundial, quando o Estado Novo regulamentou o abastecimento de bacalhau, promovendo-o como um símbolo da humildade e simplicidade do povo português. A televisão, um importante meio de propaganda na época, reforçou essa associação, consolidando o bacalhau como prato central da Consoada. Hoje, embora a origem do prato seja modesta, a Consoada evoluiu para um momento de celebração familiar que exige uma refeição mais elaborada. O próprio termo Consoada, que deriva do latim consolata, que significa «consolar», reflete este espírito de união e conforto que caracteriza o Natal português.

As sobremesas tradicionais 

As sobremesas são um dos pontos altos das celebrações de Natal em Portugal, com uma diversidade de doces tradicionais, muitos deles fritos e polvilhados com açúcar e canela. Entre eles, destacam-se as rabanadas, semelhantes ao pain perdu francês, feitas com fatias de pão embebidas em leite, fritas e depois envolvidas em açúcar e canela. Este doce, cuja presença se intensifica no período de Natal, remonta ao Império Romano. “O primeiro registro do preparo, no entanto, foi feito nos manuscritos de Marcus Gavius Apicius, em sua icônica obra Apicius Culinaris” (Rech: 2023).
Outro destaque são os sonhos, bolinhos leves e fofos que, apesar da sua simplicidade, possuem uma forte carga simbólica. De origem turca, os sonhos tornaram-se populares em países como a Grécia, Chipre, Bulgária e Egito. A sua forma redonda simboliza o sol nascente, a luz, a paixão, a vitalidade e até mesmo a imortalidade. Eles podem ser preparados de forma simples ou com variações como abóbora, cenoura, laranja ou recheios criativos, refletindo a riqueza culinária de cada região.
A aletria é outro doce essencial na mesa de Natal portuguesa. É provável que a aletria tenha chegado à Península Ibérica por intermédio dos mouros, entre os séculos VIII e IX. Com o tempo, foi integrada na gastronomia local e começou a designar um tipo de massa com fios extremamente finos com que se prepara um doce típico de Natal, geralmente cozido em leite e aromatizado com canela e casca de limão, que se tornou presença quase obrigatória em diversas regiões do país.
Também o pão de ló, conhecido pela sua textura esponjosa e macia, é outro ícone da doçaria portuguesa. Originalmente criado pelo chefe genovês Giovan Battista Cabona, o pão de ló era feito apenas com ovos, açúcar e farinha, sem fermento. Em Portugal, esta receita foi adaptada e ganhou versões regionais que se tornaram símbolos locais, como o pão de ló de Alfeizerão, de Ovar, de Margaride, de Guimarães ou de Arouca. Cada variante tem as suas particularidades, desde a textura mais cremosa até sabores mais marcantes. Curiosamente, os portugueses levaram esta iguaria até o Japão no século XVI, onde ela ficou conhecida como pão de Castela. Com o tempo, a receita foi adaptada e transformada no Kasutera, um dos doces mais tradicionais da culinária japonesa.

O Bolo-Rei: história e simbolismo

O Bolo-Rei é um dos ícones do Natal português, reconhecível pela sua coroa de frutas cristalizadas e sabor inconfundível. A sua origem remonta ao final do século XIX e é inspirada na tradição francesa da galette des rois. Surgido inicialmente na França de Luís XIV, onde era chamado “Gâteau des Rois”, o bolo celebrava as festas de Ano Novo e o Dia de Reis. Em Portugal, foi introduzido na segunda metade do século XIX por Baltazar Rodrigues Castanheiro Júnior, herdeiro do fundador da Confeitaria Nacional, a primeira casa a confecionar o bolo em território português.
O seu nome aludia originalmente aos três Reis Magos e a sua composição remete para as prendas que estes ofereceram ao Menino Jesus: o tom dourado da côdea simboliza o ouro, o aroma o incenso e as frutas a mirra (Olissippo Hotels: 2020).
Originalmente, o bolo era consumido no início de janeiro, durante a Festa de Reis, mas rapidamente se tornou uma presença essencial na mesa de Natal portuguesa.
Feito com uma massa rica e enfeitado com frutas secas e cristalizadas, o Bolo-Rei continha tradicionalmente uma fava e um brinde escondidos no seu interior. No entanto, com o passar do tempo, a inclusão desses itens foi descontinuada por regulamentos legais associados a questões de segurança alimentar.
Embora tenha enfrentado desafios ao longo de sua história, incluindo as mudanças ocorridas com a implantação da República em Portugal, que resultaram em nomes alternativos como Bolo de Natal, Bolo de Ano Novo ou Bolo Arriaga, o Bolo-Rei conseguiu preservar a sua importância e popularidade.
Terminamos sublinhando que cada região portuguesa acrescenta à mesa de Natal as suas especialidades e tradições. No Alentejo, por exemplo, o peru assado ou ensopado de borrego são escolhas populares, enquanto no Minho é comum encontrar cabrito assado e em Trás-os-Montes o polvo é muitas vezes uma alternativa ao bacalhau. Essas tradições refletem as particularidades gastronómicas de cada região e tornam o Natal em Portugal uma celebração verdadeiramente diversa e rica em sabores.

Referênciasbibliográficas

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Dicionários
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––, Wikipedia, s.v. Pão de ló, em linha: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pão_de_ló,  consultado em 21/11/2024.

Cette page a été rédigée pour la revue ROMA 5/2024 par Anissa Bouhaha.
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