Os doces portugueses são conhecidos mundialmente e as viagens a Portugal não estão completas sem provar alguns desses doces. A variedade é enorme mas neste artigo só falaremos de alguns deles. E fazemo-lo porque, mesmo se os doces portugueses são conhecidos, não é muito conhecida a sua origem fora do país.
Muitos dos doces portugueses mais famosos, como o pastel de Belém, são doces conventuais, o que significa que foram criados em conventos ou noutros espaços religiosos. De facto, a tradição dos doces em Portugal remonta há vários séculos e tem muita produção originada em conventos.
Tradicionalmente, cada convento criava diferentes doces, por isso existe uma variedade tão grande destas iguarias pelo país. Foi a partir do século XV que os doces portugueses começaram a ser mais conhecidos, produzidos graças ao açúcar que chegava das colónias, que era o açúcar de cana, tornando-se a sua venda mais popular. Até ao século XV, as freiras e os monges aproveitavam os poucos ingredientes destas receitas em atividades com uma orientação mais religiosa.
A diferença dos doces conventuais portugueses relativamente a outros doces na Europa é que nos doces portugueses se utilizam quase exclusivamente os mesmos ingredientes principais: o açúcar, os ovos, sobretudo as gemas, e muito pouca farinha. Estes ingredientes são visíveis em quase todos os doces conventuais do país.
Isto é assim porque existia um excedente de gemas por causa da utilização das claras para a produção de vinho branco e para engomar roupa, designadamente os hábitos dos religiosos, mas não só. As religiosas dos conventos decidiram então recuperar esse excesso de gemas para confeccionar doces, inicialmente utilizados para as festas religiosas, mas com o tempo a sua produção cresceu.
Foi depois das guerras liberais, em 1834, que mudou a situação para as ordens religiosas em Portugal, já que o novo regime decreta a sua extinção. No caso das ordens femininas foi estabelecido que desapareceriam quando morressem as freiras que à data viviam nos conventos e espaços religiosos. A partir daí as freiras decidem vender mais aos particulares e também algumas delas começam a passar as suas receitas para pastelarias e outros comércios para salvar os doces. Também ensinam as pessoas muito próximas e alguns livros de receitas são criados para que o património desses espaços não desapareça.
Apesar do exposto, infelizmente muitos doces desapareceram juntamente com os conventos e as freiras que os preparavam. Mas ainda hoje existem muitos doces distintos que são próprios dos conventos que os criaram. Hoje vamos falar de dois deles. O primeiro é o mais conhecido a nível internacional: o pastel de nata ou pastel de Belém. Note-se que só podem ser denominados Pastéis de Belém aqueles que são feitos no bairro de Belém, em Lisboa, todos os outros são pastéis de nata.
Este doce foi criado no século XIX por uma pessoa que chegou do Mosteiro dos Jerónimos quando os conventos e mosteiros foram fechados. A venda funcionava muito bem porque muitos visitantes chegavam ao bairro de Belém, como acontece ainda hoje.
O Pastel de Belém é produzido pela Confeitaria de Belém desde 1837. Pode ser saboreado com canela e açúcar em pó neste magnífico espaço aberto ao público. O seu recheio, a nata, é produzido com leite e muitos ovos e é depois recolhido numa massa folhada antes de ir ao forno. Recomenda-se que se provem ainda quentes, como são vendidos na Confeitaria de Belém.
O segundo doce que elegemos é o pastel de Tentúgal. É também um doce conventual porque foi criado no Convento Nossa Senhora da Natividade, fundado no século XVI pela ordem carmelita. Os ingredientes principais são uma massa muito fina, ovos e açúcar.
É um doce muito conhecido e amado pelos portugueses e foi o primeiro doce português a receber a « Indicação Geográfica Protegida » da Comissão Europeia, isto significa que o doce só pode ser feito numa região específica do país. Portanto, é uma iguaria mais difícil de encontrar que os pastéis de nata. Uma boa loja para comprar os pastéis de Tentúgal é a Pastelaria Pousadinha, em Tentúgal.
Este doce foi usado para combater a anemia, ou fraqueza, como foi chamada esta doença na época. A massa é única e antigamente era feita à mão pelas freiras com muita paciência. O processo de preparação era longo, e ainda hoje o é, porque a textura da massa precisa de muita delicadeza. O recheio é feito com ovos. Pode também ser feito com amêndoa ou com amêndoa e gila. Depois recebe a forma específica do doce, enrolado em forma de cilindro.
Segundo Virgílio Gomes, em « Os doces da nossa vida » (Mata, 2016), este doce terá sido ensinado pelos mouros que viveram na zona. A forma e a produção serão similares aos doces que se podem encontrar na Turquia ou no Magrebe. Também é possível ver mais similitudes na preparação do açúcar, do mel e os doces de outras regiões. A influência dos mouros na Idade Média chegou aos doces tradicionais da Idade Moderna e daí até aos nossos dias.
Estes e muitos mais doces existem em todo o país. Normalmente em cada zona existe um doce diferente que se encontra nas pastelarias, padarias e também, às vezes, nos supermercados e outras lojas. Cada doce guarda a história dos antigos conventos e de uma época diferente. Uma viagem a Portugal não pode terminar sem provar os doces típicos de cada região.
Referências bibliográficas
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BORO Rafael, “21 doces portugueses que você PRECISA experimentar”, Cultuga, atualizado em 20/3/2024, em linha: https://www.cultuga.com.br/melhores-doces-portugueses-tradicionais-para-experimentar/, consultado em 15/1/2024.
DRUMOND BRAGA, Isabel, 2015, Sabores e segredos: Receituários Conventuais Portugueses da Época Moderna, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 413 p.
MATA, Paulina, “Pastéis de Tentúgal – o fascinante engenho humano e a ajuda do glúten”, Assins & Assados, publicado em 2/4/2016, em linha: https://assinseassados.blogs.sapo.pt/pasteis-de-tentugal-o-fascinante-19411, consultado em 15/1/2024.
PORTELINHA Ruthia, “Doces portugueses tradicionais, região a região”, Berço do mundo, publi-cado em 25/11/2022, em linha: https://bercodomundo.com/2022/11/doces-portugueses-tradicionais.html, consultado em 15/1/2024.
VXMAG, “Doces conventuais portugueses: origem, história e os melhores para provar”, VortexMag, publicado em 24/11/2021, em linha: https://www.vortexmag.net/doces-conventuais-portugueses-origem-historia/, consultado em 15/1/2024.
Foto
https://bercodomundo.com/2022/11/doces-portugueses-tradicionais.html
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Cette page a été rédigée pour la revue ROMA 4/2023 par Irene Rodríguez Chao. |