A lenda da Padeira de Aljubarrota

ROMA 05 Li

Falar sobre o mito da Padeira de Aljubarrota permite contar, através do prisma de uma história lendária, um acontecimento importante na história geral de Portugal. Isso torna a história mais acessível, porque se aprendem os factos históricos através de uma história extraordinária sobre uma personagem cuja vida é cheia de aventuras. Além disso, escolher apresentar essa lenda em particular é para nós pertinente porque vamos destacar uma personagem feminina associada à força e à resistência. É raro que uma mulher seja destacada desta forma por qualidades que, na altura, eram mais associadas aos homens.

De facto, o mito da padeira de Aljubarrota é um dos mais importantes do folclore português. Desenvolveu-se durante o século XV e ainda hoje, seis séculos mais tarde, ressoa como o símbolo máximo da resistência portuguesa.

Brites de Almeida, a protagonista desta lenda, terá nascido em Faro no século XIV. É frequentemente retratada como uma mulher com um físico pouco atrativo (há mesmo quem afirme que tem 6 dedos em cada mão), um aspeto masculino e maneiras bastante rudes. É também descrita como uma mulher de grande coragem e um carácter rebelde que se manifesta ao longo de toda a sua vida.

Ainda jovem, quando trabalhava na estalagem do pai, terá partido o crânio do filho do alcaide de Faro com uma bilha de barro, quando este a tentou violar. Com receio de represálias, decidiu partir de Faro para Lisboa. Seguiram-se muitas aventuras. Primeiro, lutou com um pretendente num combate de espadas e matou-o. Então, para escapar à prisão, fugiu de barco, mas foi capturada por um mouro que decidiu vendê-la a um homem rico no mercado de mulheres de Argel. Depois de ter sido tornada escrava, conseguiu escapar disfarçando-se de mouro e embarcou numa lancha. Temendo ser novamente interrogada pelos muitos crimes que cometera, decidiu disfarçar-se de homem e começou a trabalhar como almocreve. Voltou a envolver-se em delitos e crimes que a levaram à prisão em Lisboa durante algum tempo, mas, por falta de provas, acabou por ser libertada.

Depois das suas muitas aventuras, Brites de Almeida chegou finalmente a Aljubarrota e tornou-se criada duma padeira. Conquistou o favor e o afeto da padeira ao contar-lhe que o marido fora capturado por piratas argelinos. Quando a padeira pereceu, Brites herdou o forno e tornou-se a famosa Padeira de Aljubarrota.

Antes de explicar o papel da padeira na famosa batalha de Aljubarrota, vale a pena fazer um desvio histórico para explicar a importância deste episódio na História de Portugal. 

A Batalha de Aljubarrota tem como pano de fundo a Guerra dos Cem Anos que teve início em 1337 e opôs a França à Inglaterra. Neste contexto, Castela tinha decidido aliar-se a França, e, Portugal, após as inúmeras batalhas com Castela, decidiu aliar-se a Inglaterra. Juntos, assinaram o chamado Tratado de Tagilde (a primeira aliança político-militar entre Portugal e Inglaterra). Esta nova aliança fez com que Castela voltasse a invadir Portugal e, para pôr fim a estas guerras incessantes, o rei de Portugal, D. Fernando, chegou a um acordo e decidiu casar a sua filha, D. Beatriz, com o rei de Castela. A Batalha de Aljubarrota propriamente dita teve a sua origem em 1383, quando o rei D. Fernando faleceu, deixando a sua única filha, D. Beatriz, casada com o rei D. João I de Castela. Conforme o contrato de casamento, era impossível D. João tornar-se Rei de Portugal. No entanto, com o pretexto de defender os direitos da sua esposa Beatriz, o rei de Castela decidiu invadir Portugal e declarou guerra. Os ingleses, aliados dos portugueses, decidiram enviar para Portugal arqueiros e homens armados. Estes últimos eram homens experientes, que já tinham combatido e podiam transmitir os seus conhecimentos aos portugueses. Por outro lado, os franceses também decidiram participar na guerra, aliando-se aos castelhanos. Como os seus inimigos marchavam em direção a Lisboa, o exército português decidiu atacá-los antes que pudessem alcançar a cidade. A 14 de agosto 1385, os exércitos português e espanhol defrontaram-se perto da cidade de Aljubarrota e, apesar da inferioridade numérica dos portugueses, estes venceram a batalha graças à sua estratégia militar e obrigaram os castelhanos a fugir. Os soldados ingleses tiveram um papel preponderante no desfecho desta batalha, uma vez que as suas várias estratégias (a boa escolha do terreno, a espera do inimigo com homens a pé e não a cavalo, a construção de vários obstáculos defensivos e o disparo de flechas pelos arqueiros) influenciaram fortemente o comandante do exército português, Nuno Álvares Pereira (curiosamente, este chefe militar mais tarde abraçaria a vida religiosa e viria a ser canonizado no século XX) e conduziram os portugueses à vitória. 

Brites de Almeida interveio exatamente neste momento da história. Na noite da vitória, ela e muitos outros portugueses continuaram a perseguir os inimigos espanhóis pelas ruas. Quando Brites regressou à sua padaria, descobriu que sete soldados castelhanos tinham-se escondido no seu forno para escapar à carnificina geral. Cheia de raiva contra estes invasores, pegou na sua pá de pão e bateu-lhes até ao último suspiro.

Assim, embora a existência de Brites de Almeida não esteja comprovada e os historiadores defendam que se trata apenas de uma lenda popular, a personagem da padeira de Aljubarrota tem, no entanto, um grande poder simbólico. Ela representa o ardor patriótico do povo que defende a expressão da identidade portuguesa, se opõe a todo o domínio estrangeiro e recusa a submissão. Ainda hoje, a pá de Brites é apresentada aos turistas como a marca da força bruta e impiedosa do povo português na sua luta pela liberdade.

Referênciasbibliográficas

CORGA VIEIRA Ana Sofia, Histoire et culture des pays lusophones II (ROMAB326), curso dado durante o ano académico 2024-2025 na Université Libre de Bruxelles.
FUNDAÇÃO BATALHA DE ALJUBARROTA, “As Relações entre Inglaterra e Portugal no século XIV”,  Fundação Batalha de Aljubarrota, publicado em 2023, em linha: https://fundacao-aljubarrota.pt/batalhas/as-relacoes-entre-inglaterra-e-portugal-no-seculo-xiv/, consultado em 5/12/2024.
VILLA NOVA Bernardo, “Padeira de Aljubarrota”, Freguesia de Aljubarrota, publicado em 2020, em linha: https://www.jf-aljubarrota.pt/pt_pt/history/padeira, consultado em 5/12/2024.
Legenda da foto
Lenda da Padeira de Aljubarrota : https://www.portugalnummapa.com/lenda-da-padeira-de-aljubarrota/

Cette page a été rédigée pour la revue ROMA 5/2024 par Zoé Mineur etFaustine Viart.
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