A escravatura no Brasil e os quilombos

ROMA 04 AR 031

A escravatura no Brasil inicia-se em 1530 quando os portugueses começam a implantar-se, estabelecendo o sistema de capitanias hereditárias, e dão início ao processo de colonização do Brasil. Para a produção da cana-de-açúcar, o recurso à exploração da mão-de-obra indígena revelou-se ineficaz: a maioria dos nativos escapou para as floresta, para além disso, os Jesuítas, detentores de grande influência, opunham-se à escravidão das populações nativas: trazer escravos de África revelou-se a opção mais económica.
Assim que chegavam a solo brasileiro, muitos escravos tentavam fugir da escravidão, do tratamento desumano, emocional e físico, dos castigos corporais severos e da perda da sua dignidade humana. Neste contexto surgem os quilombos, que eram comunidades formadas durante o Brasil colonial por africanos e descendentes que fugiam da escravidão. O primeiro quilombo de que temos conhecimento é da segunda metade do século do XVI, localizado na Bahia, mas o maior quilombo do Brasil foi o quilombo dos Palmares.

Estas comunidades eram um lugar onde os foragidos viviam em liberdade e resistiam à escravidão, instigando outros escravos a fugirem. Ali não viviam apenas africanos escravizados, mas também índios e brancos livres. Os quilombolas, os habitantes destas comunidades, produziam tudo o que necessitavam para a sua sobrevivência e realizavam comércio com moradores vizinhos. O produto mais comum que era produzido pelos quilombolas era a farinha de mandioca, mas as roças dos quilombos também incluíam milho, feijão, batata-doce, abóbora, cana -de-açúcar e frutos. Praticava-se também a caça, a pesca, a criação de animais, como galinhas, e produziam-se cerâmica e cachimbos, entre outros utensílios de madeira.
Essas comunidades estabeleciam-se no interior do Brasil, em regiões estratégicas que lhes garantiriam o máximo de proteção contra os portugueses e onde construíam aldeias, muitas vezes reconstruindo um estilo de vida parecido com o que possuíam em Africa. Muitos quilombos eram construídos com muralhas de madeira e com armadilhas espalhadas ao seu redor como forma de garantir a proteção das populações que viviam naqueles lugares.
Em 1678, Palmares ficou dividido com a possibilidade de um acordo com os portugueses. Esse acordo de paz tinha sido aceite pelo líder do quilombo, Ganga Zumba, mas como previa que os palmaristas não nascidos no quilombo teriam de ser devolvidos aos seus antigos donos, tornou-se, evidentemente, um acordo impopular! Gana Zumba foi assassinado e o novo líder, o seu sobrinho Zumbi rejeitou o acordo.
Zumbi foi o último líder do quilombo, mantendo a sua posição de 1678 até 1695. Resistiu aos ataques portugueses, liderando os palmaristas na luta e expulsando expedições de portugueses diversas vezes. Em 1694, o Quilombo dos Palmares foi destruído e Zumbi foi morto a 20 de novembro de 1695.
De facto, os defensores da escravatura lutavam contra a fuga da sua força de trabalho e, obviamente, opunham-se fortemente às ideias humanistas da abolição que modificariam radicalmente o seu modo de vida, a sua cultura e, acima de tudo, causariam grandes perdas no plano económico! Os dois campos, abolicionistas e escravocratas, opor-se-iam por décadas.
Já em 1755, em Portugal, Marquês de Pombal, Secretário de Estado do Reino (antepassado do cargo que hoje conhecemos como Primeiro Ministro) impõe o fim da escravatura em Portugal e nas ilhas portuguesas do Atlântico. Já se tinham passado mais de 200 anos desde que os primeiros negros africanos chegaram acorrentados ao Brasil.
Nos anos que se seguiram, desenvolveu-se um importante pensamento humanista e abolicionista europeu, provocando uma pressão significativa sobre os países escravocratas, incluindo Portugal.
Um desenvolvimento significativo foi a decisão de pôr fim ao tráfico de escravos. Após a derrota de Napoleão, a Inglaterra abolicionista caçava navios negreiros, patrulhando o oceano e chegando mesmo a entrar em conflito com Portugal. No entanto, isto não foi suficiente para erradicar o tráfico, já que os africanos escravizados continuavam a chegar ao Brasil em grande número.
Foram promulgadas diversas leis, ao longo de décadas, com avanços e muitos retrocessos, dependendo das posições dominantes dos antagonistas, dos ‘prós e contras’, mas, entretanto, muitos escravos e seus descendentes continuaram a sofrer sob o jugo dos seus senhores ou a escapar, engrossando as fileiras dos quilombos onde tentavam recuperar a sua dignidade e oferecer-se um futuro melhor.
Ano após ano, a população brasileira, especialmente as classes trabalhadoras, posicionava-se cada vez mais a favor da abolição. Pode dizer-se que a abolição da escravatura no Brasil foi realizada em conjunto com o desejo deste grande território de se autonomizar e conquistar a sua independência de Portugal, que se deu em 1822.
Mas havia receio quanto à sobrevivência da sua economia sem essa força de trabalho gratuita. A chegada de emigrantes europeus e de outros países foi, por isso, também permitida e incentivada.
Colocava-se também a questão da organização da emancipação de centenas de milhares de futuros ex-escravos: como garantir o seu acesso à educação, ao conhecimento, à autonomia financeira e à propriedade?
Todas estas questões deram origem a muitos debates, muitas leis foram promulgadas e depois revogadas sob pressão de um lado ou de outro até que a escravatura é finalmente abolida com a Lei Áurea, em 1888. No entanto, o fim da escravidão não criou as condições necessárias para que os ‘libertados’ obtivessem os seus direitos, a autodeterminação efetiva e aquisição plena de cidadania.
Em 2023, a fratura da sociedade brasileira e o racismo ainda estão muito presentes e são uma grande questão política hoje e, sem dúvida, para as gerações futuras. Muitos brasileiros acreditam que a raça interfere na qualidade de vida dos cidadãos tanto no trabalho como nas questões ligadas à justiça, à violência policial, à educação e às relações sociais. 
O termo apartheid social pode ser usado para descrever a desigualdade económica no Brasil. O racismo e a sua violência fazem parte do quotidiano dos brasileiros. Os mestiços e negros estão sujeitos a muita discriminação, doenças, violência... Há muito menos negros e mestiços nas universidades do que brancos. 
Enquanto Bolsonaro esteve no poder (2019-2022), os discursos políticos racistas multiplicaram-se. O retorno de Lula da Silva à presidência é razão de esperança para todos os excluídos da sociedade, que esperam ver mudanças nas decisões políticas e na sua vida quotidiana.
O que resta de Zumbi?
Zumbi é o símbolo brasileiro da resistência à escravatura e permaneceu o emblema dessa liberdade pela qual era preciso lutar. Os descendentes dos africanos brasileiros veneram-no como o seu antepassado mais glorioso. A sua estátua foi moldada de acordo com os códigos artísticos yoruba da Nigéria-Benin, sobre uma pirâmide inspirada na antiguidade africana.
O dia 20 de novembro, dia da sua morte, foi designado como o Dia da Consciência Negra no Brasil.
Os quilombos, hoje, ainda lutam pelo reconhecimento dos seus territórios tradicionais e do seu próprio modo de vida. Apresentam também uma grande diversidade de atividades agrícolas, extrativistas, de coleta, mercantis e de mineração, tanto nas proximidades das cidades como no campo. Hoje, o quilombo descreve uma comunidade, muitas vezes negra ou rural, que existe bem no presente e que resulta numa identidade coletiva que luta pela sua sobrevivência económica, mas também pela sua sobrevivência cultural.

Referências bibliográficas

MARIA FERRAZ DE MENEZES Jaci, “Abolição no Brasil: a construção da liberdade”, Revista HISTEDBR On-line, vol. 9, n°36, p. 83-104, versão eletrônica: https://core.ac.uk/reader/1928465299.
NEVES SILVA Daniel, “Quilombos”, Mundo Educação, em linha: https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/quilombos.htm, consultado em 6/4/2024.

Dicionários
LAROUSSE, Encyclopédie Larousse, s. v.  Brésil: histoire, em linha: https://www.larousse.fr/encyclopedie/divers/Br%C3%A9sil_histoire/186946, consultado em 6/4/2024.
Foto
https://espace-mondial-atlas.sciencespo.fr/fr/rubrique-mobilites/photo-2P03-maitres-et-esclaves-bresil-debut-xixe-siecle.html

Cette page a été rédigée pour la revue ROMA 4/2023 par Martine Huberty.
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