As Mouras Encantadas

ROMA 04 AR 031

As primeiras tradições associadas às Mouras surgiram no final do século XIX, por meio de pesquisadores como José Leite de Vasconcellos e Teófilo Braga (Lindström 2014). Longe de serem apenas contos de fadas para os narradores da época, essas narrativas eram parte integrante da sua visão de mundo e da sua realidade diária. 
As Mouras são representadas como mulheres de grande beleza, com cabelos longos e pretos ou ruivos, dependendo das versões. Geralmente vestem branco, uma cor associada à morte, à purificação e à transição para uma nova vida (Lindström 2014). No entanto, de acordo com algumas lendas, elas também podem metamorfosear-se em touros, vacas, cabras ou serpentes (Contreiras 2004). A conexão entre as Mouras e as serpentes pode ser explicada pela existência tanto no mundo subterrâneo quanto na terra e nos reinos aquáticos e pelo facto de se esconderem frequentemente em grutas ou dolmens, que se acredita terem construído (Contreiras 2004). As Mouras eram temidas e veneradas devido à sua associação com a vida e a morte, sendo às vezes comparadas às ações do diabo devido à manipulação de tesouros e semelhança com o mundo ctónico, subterrâneo (Lindström 2014). 

As Mouras Encantadas geralmente compartilham uma história comum: jovens mulheres aprisionadas por um encantamento, geralmente causado por um homem, eventualmente revelando-se ser o próprio  pai. A razão de seu encantamento varia nas histórias, com um número impressionante de versões regionais e culturais. Por exemplo, durante a reconquista cristã e perante a retirada dos Mouros, estes enfeitiçavam jovens princesas para protegerem os seus tesouros abandonados ao fugir do Algarve. Ao retornarem, pais aflitos encarregavam jovens de trazerem suas filhas de volta, prometendo riqueza e casamento (Ely 2016). Assim, as Mouras são entidades femininas associadas a tesouros. 
Segundo outras lendas, o encantamento visa preservar a sexualidade das filhas, sendo a mulher vista como alguém que carrega algo muito perigoso, que ela mesma não sabe controlar - a sua sexualidade. Tarefas para desencantamento podem ser reveladas pelas próprias Mouras, pelo ser que as encantou (geralmente o pai) ou pela tradição. As tarefas frequentemente envolvem sexualidade e fertilidade, com elementos simbólicos fortes (Lindström 2014).
O desencantamento às vezes pode ocorrer através de um beijo, como em muitos contos de fadas. Alguns rituais simbolizam tabus relacionados à perda da virgindade ou ao sangue menstrual, associados a aspectos de fertilidade. As lendas ilustram tarefas específicas, como arar um sulco reto, limpar vegetação, semear ervas, todas ligadas à fertilidade (Lindström 2014). Atos relacionados ao pão, a outros tipos de massa e ao queijo também simbolizam a fertilidade. 
Os pais geralmente pedem a homens humanos para lançar pão, bolos, queijo, etc., em lugares como poços, fontes e grutas onde estão as filhas encantadas para quebrar o feitiço. Essas tarefas podem ser atribuídas tanto a homens casados quanto a solteiros, com uma distinção muitas vezes observada entre os dois (Lindström 2014). 
Às vezes, as tarefas falham, pois os homens sentem muito medo para empreendê-las. Por um lado, são atraídos pela promessa de riqueza ou casamento futuro, mas, por outro lado, o acesso a essas recompensas é difícil, dada a grande quantidade de obstáculos nos espaços sobrenaturais, que podem levar a consequências adversas, como a cegueira (Lindström 2014). 
Essas lendas portuguesas refletem a fascinação dos humanos pelo desconhecido, pela riqueza e pelos mistérios dos mundos encantados, destacando os perigos potenciais associados a essas explorações. A necessidade de cooperação é existencial entre o mundo simbólico e os humanos, enfatizando a sua interdependência. Ao servir a natureza, os humanos são recompensados com riquezas abundantes, mas surgem problemas quando os humanos hesitam em cumprir as tarefas dadas (Lindström 2014). 
O legado das Mouras, rico em contos e lendas, apresenta semelhanças com as Encantadas na Espanha ou as Dames Blanches na França. Essas criaturas mágicas, associadas a lugares específicos, estão frequentemente ligadas a eventos sobrenaturais e podem ser benevolentes ou malévolas. 
Monumentos funerários, como os dólmens, estão frequentemente ligados às Mouras, assim como sepulturas esculpidas na rocha. Em algumas regiões, os dólmens são chamados informalmente de Mouras ou Casa da Moura, pois acreditava-se que as Mouras residiam aí. (Lindström 2014). 
Noites de lua cheia, especialmente durante a celebração de São João, são consideradas propícias para a aparição das Mouras Encantadas no campo português, sugerindo conotações rituais e simbólicas relacionadas com a fertilidade e renovação (Lindström 2014). Este dia é considerado o momento oportuno em que as Mouras aparecem com os seus tesouros, permitindo quebrar o seu encantamento. Esse dia também coincide com o solstício de verão, podendo refletir uma reminiscência de um antigo culto solar pagão (Contreiras 2004).

Referencias bibliográficas

CONTREIRAS, M. D. R., 2004. “As lendas de mouras encantadas” (Doctoral dissertation), https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/1715/2/Mouras%20Encantadas.pdf , consultado a 12/01/2024.
ELY, R.,  2016, “L’Algarve, la contrée des mouras encantadas…”, Peuple Féerique - Le Petit Monde de Richard Ely,  https://peuple-feerique.com/fees-lutins-elfes/2016/09/lalgarve-la-contree-des-mouras-encantadas/, consultado a 12/01/2024.
LINDSTRÖM H. R., 2014, “Casas das Mouras Encantadas — A Study of Dolmens in Portuguese Archaeology and Folklore”, Thèse de doctorat. University of Helsinki, em linha: https://www.academia.edu/12656316/, consultado a 12/01/2024

Cette page a été rédigée pour la revue ROMA 4/2023 par Lucie Pesce.
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