Através deste artigo, trataremos de perceber como é que se formam as identidades entre Portugal e Angola. Para isso, primeiro olhamos para o período de descolonização de Angola, em 1975. Em segundo lugar, questionamos duas pessoas nascidas em Angola sobre a relação que têm com o seu país de nascimento.
Portugal e Angola estão ligados há muitos anos por uma história comum. De 1575, que corresponde ao estabelecimento do primeiro território português em Angola (Randles 1969), a 1975, Angola foi submetida à presença portuguesa que, como todos os países europeus da época, pretendia consolidar o seu domínio, tornando as suas colónias em lugares estratégicos e apoderando-se de riquezas. O que resta das ligações entre esses dois países hoje? Como os habitantes de Portugal e Angola percebem um e outro país? Como as identidades foram formadas no contexto de colonização, de guerra e finalmente de paz?
Tentaremos responder a isto desenvolvendo primeiro o período 1975-1976, altura em que, na sequência da proclamação da independência, muitos emigrantes portugueses em Angola regressaram a Portugal. Vamos desenvolver a perceção desta população por parte dos portugueses que permaneceram em Portugal.
Numa segunda parte, estudaremos a relação mantida pelos descendentes de colonos portugueses com Angola. Que ligações têm com Portugal e Angola? Eles sentem-se mais angolanos do que portugueses? Para responder, apresentaremos duas entrevistas que pudemos realizar com pessoas nascidas em Angola.
De Angola para Portugal
Um ano depois da Revolução dos Cravos em Portugal, a 11 de novembro de 1975, Angola conquistou a sua independência depois de treze anos de guerra. As esperanças de paz são grandes num país marcado pela guerra, mas elas serão rapidamente frustradas. A partida brutal de Portugal sem transição política muito elaborada contribui para a instabilidade do novo governo. Nesta época era o MPLA de Agostinho Neto (Movimento Popular de Libertação de Angola) que dominava o governo e tinha também uma grande adesão da população.
Muitos habitantes voltaram para Portugal, o sociólogo Rui Pena Pires (Pires et al. 2020) estima que regressou cerca de meio milhão de retornados (505 078), sendo que 61% dos retornados provieram de Angola. O termo retornado “ficou associado aos portugueses que regressaram das colónias portuguesas durantes os anos de 1974-1977” de acordo com Maria João Domingues Duarte (Duarte 2018).
A maioria deles voltou porque não tinha outras opções, de um dia para o outro, Angola já não era portuguesa e a segurança de todos já não estava garantida. “Foram obrigadas a abandonar as suas casas e os seus haveres, pois viviam na periferia da cidade, onde a violência se faz sentir com maior fúria, trazem apenas as roupas que vestem, e um pequeno saco ou mala, contendo algumas coisas que lhes foi permitido retirar dos seus lares saqueados” (Duarte 2018).
O regresso a Portugal marca para o - agora ex-colono - um rebaixamento. A maioria possuía diplomas e empregos, mas a situação económica e política de Portugal era precária, o que certamente é um dos motivos pelos quais retornam à sua cidade ou região natal para beneficiar da ajuda familiar.
Construir identidade é difícil para os retornados. Quando chegam a Portugal, alguns encontram um país donde partiram 20 anos antes, um país onde não se reconhecem, tal como em Angola. Eles são recebidos como migrantes no seu próprio país, embora os considerem como colonos. Segundo Maria Paula Meneses “No uso do próprio termo “retornado” não há consenso e há́ uma carga de estereótipos”, e, conforme a Catarina Gomes, houve uma discriminação aos retornados pois eram vistos como “colonialistas” que, ao regressarem a Portugal, estavam a “competir pelos escassos empregos disponíveis” (Meneses et Gomes 2013).
A formação da identidade também portuguesa e angolana
Existem muitas ligações entre Portugal e Angola, como vimos anteriormente, o fluxo de imigração e emigração nunca parou realmente entre estes dois países. Podemos então questionar-nos sobre que forma assume a construção da identidade angolana. Para tentar responder a esta vasta questão entrevistámos dois primos nascidos em Angola.
A primeira pessoa, uma mulher de 38 anos, nasceu e cresceu em Huambo. Aos 15 anos, ela deixou Angola com os seus pais e a sua irmã, pouco antes do assassinato dos seus avós por membros de UNITA. Ela estudou na Inglaterra e hoje trabalha em Luanda numa organização internacional que depende da ONU. Quando perguntamos qual é o país dela, instintivamente diz que é Angola. Ela explica que passou a sua infância em Angola e que os seus pais viveram toda vida deles nesse país. No entanto, vários aspetos da cultura portuguesa fizeram parte da sua educação. Hoje Portugal é o país onde moram os seus pais, mas ela só obteve a nacionalidade portuguesa quando casou.
O seu primo tem 31 anos e não tem lembranças de Angola porque ele foi para a Suíça quando tinha 3 anos. Ele sente-se mais suíço do que angolano, mesmo se sempre falou português com a sua mãe e guarda ligações com Angola pela sua história familiar. O que é interessante é que na questão da sua origem não diz que é angolano, porque é complicado demais explicar que é branco e angolano. Ele deveria contar a sua história familiar sobre três gerações e as circunstâncias políticas de um país que poucos conhecem. Mas parece importante para ele ter a nacionalidade angolana como uma homenagem à sua família e também como uma parte da sua origem. A propósito das ligações com Portugal ele diz que não tem muitas, apesar de ter vivido em Lisboa um ano. Ele conhece bem a cidade, mas não se sente especialmente no seu país. Ele queria voltar para Angola, mas só para ver a sua família e visitar o país.
Em conclusão, vemos que a noção da identidade é complexa, proteiforme e depende da história de cada um e da relação com o país de origem. Quanto mais profunda é a história familiar num país, mais profunda é a afeição. As lembranças permitem ligar-se a uma história comum com o país e assim reforçar a identidade.
Referências bibliográficas
DUARTE M. J. D, 2018, “Os ‘retornados’ das ex-colónias portuguesas: representações e testemunhos”, Omni Tempore: atas dos Encontros da Primavera 2018, p. 27.
MENESES M. P. e GOMES C., 2013, “Regressos ? Os retornados na descolonização portuguesa”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 106, pp. 179-182.
PIRES R. P., PEREIRA C., AZEVEDO J., VIDIGAL I. e MOURA VEIGA C., 2020, “A emigração portuguesa no século XXI”, Sociologia, Problemas e Práticas, 94, pp. 9-38.
RANDLES W. G., 1969. “De la traite à la colonisation: les Portugais en Angola”, Annales. Histoire, Sciences Sociales, 24/2, pp. 289-304.
Cet article a été rédigé pour la revue ROMA 1/2020 par Lisa Guillaume. |