L'expression de la liberté dans la littérature portugaise

Memorial do Convento (Saramago)

Dans Memorial do Convento, comme dans presque toute son œuvre, Saramago utilise le langage librement, ce qui se traduit, entre autres, par :

  • l’absence de ponctuation conventionnelle, la virgule étant la marque de ponctuation la plus pertinente, marquant les discours des personnages, le rythme et les pauses ;
  • l’utilisation subversive des majuscules dans la phrase ;
  • l’emploi des exclamations et des commentaires ;
  • le mélange de discours – discours direct, discours indirect et monologue intérieur ;
  • la coexistence de la narration et de segments descriptifs sans délimitation claire ;
  • le ton à la fois comique, tragique et épique.

Agora me disse aquele meu amigo João Elvas que tendes apelido de Voador, padre, por que foi que vos deram tal nome, perguntou Baltasar. Começou Bartolomeu Lourenço a afastar-se, o soldado foi atrás dele, e, distantes dois passos um do outro, seguiram ao longo do Arsenal da Ribeira das Naus, do palácio do Corte Real, e adiante, nos Remolares, onde a praça se abria para o rio, sentou-se o padre numa pedra, fez sinal a Sete-Sóis para que se acomodasse ao lado dele, e enfim respondeu, como se agora mesmo tivesse ouvido a pergunta, Porque eu voei, e disse Baltasar, duvidoso, Com perdão da confiança, só os pássaros voam, e os anjos, e os homens quando sonham, mas em sonhos não há firmeza, Não tens vivido em Lisboa, nunca te vi, Estive na guerra quatro anos e a minha terra é Mafra, Pois eu faz dois anos que voei, primeiro fiz um balão que ardeu, depois construí outro que subiu até ao tecto duma sala do paço, enfim outro que saiu por uma janela da Casa da Índia e ninguém tornou a ver, Mas voou em pessoa, ou só voaram os balões, Voaram os balões, foi o mesmo que ter voado eu, Voar balão não é voar homem, O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará, respondeu Bartolomeu Lourenço […]

Tenho sido a risada da corte e dos poetas, um deles, Tomás Pinto Brandão, chamou ao meu invento coisa de vento que se há-de acabar cedo, se não fosse a protecção de el-rei não sei o que seria de mim, mas el-rei acreditou na minha máquina e tem consentido que, na quinta do duque de Aveiro, a S. Sebastião da Pedreira, eu faça os meus experimentos, enfim já me deixam respirar um pouco os maldizentes, que chegaram ao ponto de desejar que eu partisse as pernas quando me lançasse do castelo, sendo certo que nunca eu tal coisa prometera, e que a minha arte tinha mais que ver com a jurisdição do Santo Ofício que com a geometria, Padre Bartolomeu Lourenço, eu destas coisas não entendo, fui homem do campo, soldado deixei de ser, e não creio que alguém possa voar sem lhe terem nascido asas, quem o contrário disser, entende tanto disso como de lagares de azeite, Esse gancho que tens no braço não o inventaste tu, foi preciso que alguém tivesse a necessidade e a ideia, que sem aquela esta não ocorre, juntasse o couro e o ferro, e também estes navios que vês no rio, houve um tempo em que não tiveram velas, e outro tempo foi o da invenção dos remos, outro o do leme, e, assim como o homem, bicho da terra, se fez marinheiro por necessidade, por necessidade se fará voador […]

José Saramago, Memorial do convento, Cap.VI

revue roma blanc 120 Cette page a été rédigée pour ROMA·NET par Maria Sofia Santos.
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