Djaimilia Pereira de Almeida: Luanda, Lisboa, Paraíso

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Djaimilia Pereira de Almeida é uma autora de língua portuguesa. Ela nasceu em Angola, em Luanda, em 1982, mas partiu muito jovem para Portugal. Estuda português na Universidade Nova de Lisboa e faz um doutoramento em teoria literária na Universidade de Lisboa.

Em 2015 a nossa autora publica o seu primeiro romance, Esse Cabelo, e ganha o Prémio Novos em 2016. Em 2017 publica Ajuda a cair, seguido, em 2018, de Luanda, Lisboa, Paraíso. A escritora recebeu o Prémio Literário Fundação Inês de Castro por essa publicação. O prémio recompensa “obras que revelem grande originalidade e melhor qualidade estético literária” (TV Europa 2019). Mas não foi o único prémio que foi atribuído à autora, que ganha também o Prémio Oceanos 2019. A justificação do júri foi a seguinte:

Djaimilia Pereira de Almeida compõe, através de uma linguagem viva, um relato sensível sobre as ilusões e as desilusões do mundo pós-colonial.
(Itaú Cultural 2019)

Em 2019 a autora publica dois outros livros: Pintado com o pé e A Visão das Plantas.

Os vários prémios que ganha demonstram a qualidade da sua obra. Trata-se uma autora jovem, mas reconhecida em Portugal e no Brasil.  Uma temática central na sua obra é a temática da sociedade pós-colonial e da migração. Djaimilia Pereira de Almeida utiliza experiências da sua vida pessoal. 

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Luanda, Lisboa, Paraíso inscreve-se na temática da migração, sociedade pós-colonial e diáspora angolana dos anos 80. Este romance conta a história duma família entre Luanda e Lisboa. A narração inicia-se em Luanda, em Angola, onde Aquiles, o filho de Cartola de Sousa, nasce com o calcanhar esquerdo malformado. Ele deve submeter-se uma operação com 15 anos de idade, em 1985. Para essa operação a família deve mudar-se para Lisboa, esta mudança era temporária, mas a família toma a decisão de estabelecer-se em Lisboa. Inicia-se uma nova vida, uma vida fora da perfeição, que eles têm de gerir para subsistir. A família muda-se para Paraíso, um bairro de lata a sul do Tejo, e continua a sua vida em Portugal.

Como demonstram os vários prémios recebidos, a obra foi bem acolhida. Apesar de não estar traduzida, uma versão em português do Brasil foi publicada em 2019.

A autora escreve o seu romance num estilo poético, onde cada palavra parece ter sido escolhida. Cada palavra tem uma carga simbólica e é importante para a narração. O estilo poético faz com que o livro não seja um livro fácil para ler. É um livro que deve ler-se lentamente.

Um exemplo deste simbolismo é visível no início do romance. No primeiro capítulo, encontra-se a passagem seguinte:

O calcanhar esquerdo do filho mais novo de Cartola de Sousa nasceu malformado.
(Luanda, Lisboa, Paraíso, p. 7)

O pai deu-lhe um nome helénico, tentando resolver o destino com a tradição. A passagem do livro mostra que o nome do Aquiles não foi atribuído aleatoriamente. É possível ver aqui uma metáfora, metáfora que pode ser aplicada a todo o livro: a malformação do Aquiles é uma malformação de nascença, não é uma escolha. Também a nossa origem não é uma escolha, é uma parte da nossa identidade que é impossível alterar.

Na narração, o elemento da doença, da malformação, é central. Permite tratar os serviços de saúde em Portugal, mas também mostrar a sociedade pós-colonial angolana, nos anos 80, e as diferenças de tratamento (Cartola trabalha com o Dr. Barbosa da Cunha na cidade de Moçâmedes).

Um outro símbolo usado é o símbolo do espaço natural, das estações, do tempo meteorológico, esse é um elemento que faz parte da narração, por exemplo, quando o pai e o filho chegam a Lisboa está a chover:

A chuva dava-lhes as boas-vindas a Lisboa e, ao mesmo tempo, despia-os.
(Luanda, Lisboa, Paraíso, p. 28)

Essa passagem pode ser interpretada como o sentimento que acompanha a mudança para um outro país que não conhecem.

O romance trata também da sociedade pós-colonial portuguesa, da migração e da diáspora angolana.  São temáticas que estão ligadas no livro, tratadas através do ponto de vista pessoal da vida do Cartola de Sousa. Mas a narração é feita na terceira pessoa, o que permite uma análise dum ponto de vista exterior. Esse ponto de vista externo oferece alguma distância, como por exemplo na passagem seguinte:

Cartola era tudo menos um escravo.
(Luanda, Lisboa, Paraíso, p. 68)

Aqui é uma análise do narrador sobre a situação do Cartola. Mas o Cartola tem a capacidade de pensar, analisar a sua própria situação. Assim, as cartas que compõem parte da narrativa permitem trazer uma perspetiva íntima, uma perspetiva da família que vivia em Angola ou uma perspetiva das personagens em Lisboa.   A técnica narrativa é um elemento que sublinha as temáticas de sociedade que o livro trata.

A sociedade portuguesa pós-colonial é mostrada dum ponto de vista diferente, apresenta as dificuldades da mudança, as dificuldades da vida, mas o tom do livro não é negativo, é sempre esperançoso e mostra a solidariedade da sociedade emigrada.

Para concluir este artigo posso escrever que este romance se inscreve no contexto das obras literárias contemporâneas, apesar de não ser uma obra convencional. É um livro mais poético, com uma estrutura complexa que traz a luz sobre a sociedade pós-colonial portuguesa, particularmente no que diz respeito à comunidade angolana de Lisboa. É um livro destinado a pessoas interessadas pelas temáticas da atualidade e que gostam de escrita poética.

Referências bibliográficas

PEREIRA DE ALMEIDA D., 2018, Luanda, Lisboa, Paraíso, Lisboa, Penguin Random House.
LUCAS I., “Uma rapariga africana em Lisboa”, Publico, 02/10/2015, https://www.publico.pt/2015/10/02/culturaipsilon/entrevista/uma-rapariga-africana-em-lisboa-1709352, consultado a 12/11/2020.
***, 2019, “Djaimilia Pereira de Almeida vence Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2018”, Publico, https://www.publico.pt/2019/03/19/culturaipsilon/noticia/djaimilia-pereira-almeida-vence-premio-literario-fundacao-ines-castro-2018-1865916, consultado a 12/11/2020.
***, 2019, “Edição 2019”, Itaú Cultural, https://www.itaucultural.org.br/oceanos/2019/edicao-2019-0021adc4-49cb-4eb3-b3a7-467b76c4770a, consultado a 12/11/2020.
***, 2019, “Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2018 atribuído a Djaimilia Pereira de Almeida”, TV Europa, https://www.tveuropa.pt/cultura/premio-literario-fundacao-ines-de-castro-2018-atribuido-a-djaimilia-pereira-de-almeida/, consultado a 12/11/2020.
***, “Djaimilia Pereira de Almeida”, Leya, http://www.leya.com.br/autor/djaimilia-pereira-de-almeida/, consultado a 12/11/2020.
Imagens
DJAIMILIA PEREIRA DE ALMEIDA: http://www.embaixadadeangola.pt/escritora-angolana-djaimilia-pereira-de-almeida-conquista-premio-de-literatura-oceanos/
Luanda, Lisboa, Paraíso: http://bibliografia.bnportugal.gov.pt/bnp/bnp.exe/registo?2009405

revue roma blanc 120 Cet article a été rédigé pour la revue ROMA 1/2020 par Claire Dussart.
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