Uma história migratória: destino Luxemburgo

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Desde os navegadores no século XV até hoje, com a história migratória do país: Portugal sempre foi um país de viajantes e a emigração uma marca importante da civilização lusitana. Além dos acontecimentos históricos, este artigo insere-se nesta rubrica por motivações pessoais: o assunto toca-me porque sou o fruto da migração intraeuropeia, o meu pai sendo filho de imigrantes italianos dos anos 50 do século XX, a minha mãe emigrante portuguesa desde 1975.

Entre 1965 e 2000, mais de 2 milhões de homens e mulheres atravessaram as fronteiras de Portugal com destino aos quatro cantos do mundo, a metade deles emigrou antes de 1974. O Luxemburgo foi um dos países principais onde os lusófonos bateram à porta (RTP2).

Para compreender a história da emigração portuguesa, mas também a da Europa dos anos 1950 a 1980 em geral, é necessário falar do contexto deste fenómeno. De facto, os fluxos emigratórios intraeuropeus aumentaram com o plano de reconstrução europeia desde os anos 50, quando os países mais desenvolvidos do norte e do centro do continente exigiam mão-de-obra (Santos 2004). No caso da vaga emigratória portuguesa rumo ao Luxemburgo (mas também à França por exemplo), as razões que incitaram uma grande parte da população à deslocação não foram só económicas , mas também sociais e políticas: pobreza, dificuldades de encontrar emprego nas zonas rurais, tensões e insatisfações associadas ao regime ditatorial, fuga ao serviço militar, etc. (Santos 2004).

Porquê o Luxemburgo e perfil do emigrante

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Entre os anos 1960 e 1970, os emigrantes lusófonos estavam à procura de melhores condições de vida por todas as causas assinaladas anteriormente. Um motivo decisivo para a escolha do Grão-Ducado foi com certeza a proximidade geográfica, além das várias oportunidades de emprego que oferecia. Durante o Estado Novo (1933-1974) e principalmente nos anos 1960, muitos portugueses tentaram fugir do país. O ditador Salazar impedia as saídas e a emigração a todo custo, o que explica porque os primeiros emigrantes foram clandestinos (Santos 2004). Um anúncio do Ministério do Trabalho luxemburguês causou a deslocação (RTP2). A maioria dos primeiros emigrantes foram homens de menos de trinta anos, do interior norte de Portugal, pobres, com pouca instrução e que nunca tinham saído do país natal. Como não estavam em posse de documentos, foi necessário andar a pé durante alguns dias, antes de se esconderem dentro do camião que os levava ao destino (RTP2). Esses homens conseguiram arranjar trabalho na indústria siderúrgica e mineira do país, que muitos nem conheciam. Viviam principalmente na capital do Grão-Ducado, em condições precárias: partilhavam um pequeno quarto, sem casa de banho, com outros trabalhadores, por exemplo. Em alguns casos, a situação inicial era pior do que aquela que deixavam em Portugal (RTP2). Foi só em 1972 que a emigração foi legalizada com o acordo de livre mobilidade entre Portugal e Luxemburgo, assinado por Marcelo Caetano. Mas foi sobretudo depois da Revolução dos Cravos (a 25 de Abril de 1974) que os portugueses, homens mas também famílias inteiras, se dirigiram em massa para o Luxemburgo para tentar melhor sorte e se impuseram como a mão-de-obra estrangeira mais dominante, superando os italianos (Santos 2004).

A situação hoje

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Hoje, muitos portugueses trabalham na construção e nas empresas de limpeza (RTP2). A maior parte dos emigrantes conseguiu construir um nível de vida estável. Já não vivem na capital, no Grund, que hoje é um bairro muito caro, enquanto nos anos 1960-1980 ninguém queria viver naquela parte da cidade. A aldeia de Larochette é chamada “o Portugal pequenino” (RTP2): de facto, quase todos os habitantes são portugueses. No que respeita aos emigrantes que chegaram recentemente, não encontram trabalho tão facilmente porque não têm as qualificações exigidas, ou não falam as línguas do país, e porque o Luxemburgo já não oferece tantas oportunidades de emprego como há cinquenta anos. Além disso, muitos dos novos emigrantes estão a passar fome por causa da pandemia e são obrigados a voltar para a terra natal: estão sem emprego, sem  dinheiro e sem perspetivas de novo trabalho. Mas também há quem nem possa regressar por falta de dinheiro (Contacto)!

O Grão-Ducado tem uma população de mais de 600.000 habitantes e quase 100.000 são portugueses (Statnews 2020). No entanto, mesmo se representam a primeira nação estrangeira do país (Luxinnovation 2019), são os franceses (14,8 %) que agora emigram mais para o Luxemburgo (Statnews 2020). Portugal continua a ser o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção à população residente. O destino favorito dos portugueses hoje é o Reino-Unido (Saber mais sobre as migrações portuguesas). O perfil do emigrante não mudou muito: homens e mulheres em idade ativa, em busca de melhores condições de vida no país de acolhimento. Uma diferença entre as várias gerações será com certeza o nível de estudos: hoje muitos estão em posse de diplomas universitários, o que não era o caso há cinquenta anos (ACM). Ouve-se falar da “fuga de cérebros” para definir este fenómeno.

Comparação com outros países de língua românica

Como já se disse, os anos 1950-1980 foram caracterizados pela emigração intraeuropeia. A primeira vaga emigratória europeia que chegou ao Grão-Ducado foi dominada pelos italianos nos anos 1950-1960 (Statnews 2020), com tinham motivações similares aos portugueses (pós-guerra, pobreza, procura de trabalho, etc.). Mas alguns já começaram a vir nos anos 90 do século XIX, por razões económicas, para trabalhar na indústria do aço e nas minas (Luxinnovation 2019). Nos últimos anos chegaram bastantes italianos ao Luxemburgo à procura de trabalho. A maioria é do sul.

De todos os países de língua românica, os portugueses costumam emigrar para Espanha (ACM): as razões são com certeza a proximidade geográfica e linguística.

Depois de ter feito um sumário do fenómeno emigratório intraeuropeu, com foco na situação dos portugueses do Luxemburgo, podemos dizer que a chegada de centenas de homens e mulheres cada dia entre 1960 e 1980 contribuiu para a construção de um país e de um continente inteiro. Procurando alternativas à pobreza, ao desemprego e fugindo à guerra, muitos portugueses tentaram a  sorte na terra das cem nacionalidades e das oportunidades de trabalho. Além disso, trouxeram  as suas  tradições e culturas e conseguiram integrar-se num país tão diferente do deles: de facto, enriqueceram-no não só economicamente, mas também e sobretudo culturalmente.

Referências bibliográficas

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Luxinnovation, 2019, “Economia do Luxemburgo”, https://www.luxinnovation.lu/wp-content/uploads/sites/3/2017/10/web_pt_brochure_eco_lux_0919_cc.pdf, consultado a 24/10/2020.
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––, 2020, “Regressar a Portugal para não passar fome”, Wort, https://www.wort.lu/pt/luxemburgo/regressar-a-portugal-para-n-o-passar-fome-5f8fd53fde135b9236f0c387, consultado a 25/10/2020.
STATNEWS, 2020, “626 000 habitants au 1er janvier 2020”, https://statistiques.public.lu/fr/actualites/population/population/2020/04/20200401/20200401.pdf, consultado a 25/10/2020.
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Luxembourg-Portugal: https://www.wort.lu/fr/luxembourg/la-communaute-portugaise-au-luxembourg-69-annee-emblematique-557806380c88b46a8ce5b02c

revue roma blanc 120 Cet article a été rédigé pour la revue ROMA 1/2020 par Tatiana Chiaia.
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