A emigração lusitana: imagens lusófonas nos cafés e lojas de Bruxelas

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Portugal é um país que desde o século XII tem as suas fronteiras mais ou menos definidas. Enclausurados no extremo ocidental da Península Ibérica, os portugueses encontraram na exploração dos mares e dos oceanos o seu espaço de expansão, iniciando um processo de colonização que durou até os anos 70 do século XX. O império português deu riquezas a um país que, apesar de ter sido um dos grandes centros do comércio mundial, continuou a ser profundamente rural. A emigração era a esperança de um grande número de homens e mulheres portugueses para melhorar as suas condições de vida.

A emigração de Portugal esteve dirigida sobretudo para o império colonial, especialmente o Brasil. Não obstante, a partir da década de 1960, os portugueses começaram a emigrar em direção aos países europeus, como a França, a República Federal da Alemanha ou a Bélgica (Nicolau 2014).

A história dos portugueses na Bélgica é muito longa e profunda. Desde o século XVI, os judeus expulsos da Península Ibérica e os comerciantes de especiarias estabelecem-se nas cidades de Antuérpia e Bruges onde eles participam no comércio. Mas, nos anos 60, é quando o maior número de emigrantes chegou aos territórios belgas. Portugal é, entre 1926 e 1933, uma ditadura militar e, a partir de 1933 até 1974, uma ditadura com inspirações fascistas chamada Estado Novo. Este regime presidido pelo ditador António de Oliveira Salazar não permitia a emigração fora do império colonial. É por isso que milhares de pessoas tomaram os caminhos da emigração ilegal. As condições de vida e do trabalho eram duras, por isso, muito cedo começam a aparecer cafés, restaurantes e pequenas lojas que se converterão nos espaços das sociabilidades dos emigrantes portugueses, espaços onde a casa estava mais próxima (Alves 2015). Há mais de 50 anos dessas histórias de emigração. Porém, ainda hoje é possível encontrar os pequenos negócios lusófonos, portugueses e brasileiros. Este artigo tem o objetivo de perguntar-se quais são as evocações culturais dos nomes dos cafés e lojas portuguesas; para, depois, compará-las com os negócios espanhóis, pesquisando similitudes e diferenças entre as duas comunidades. Esta pequena compilação não é exaustiva e tem só em conta os cafés e lojas existentes na atualidade, já que para um trabalho histórico é necessária uma visita nos arquivos de Bruxelas, impossível no contexto da pandemia do COVID-19.

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Os vestígios da comunidade portuguesa de Bruxelas podem encontrar-se sobretudo nos bairros e municipalidades próximas da estação do Midi, Saint-Gilles e da praça Eugène Flagey (Os Portugueses na Bélgica 2014). Isto não é casual. Nos anos das primeiras migrações, os portugueses fixaram-se nos bairros obreiros com uma grande comunidade espanhola, que chegou à Bélgica alguns anos antes, em 1956, com a assinatura do tratado bilateral hispano-belga. Deste modo, a partir de uma perspetiva espacial, podemos observar uma proximidade entre a comunidade portuguesa e espanhola.

Já analisando os cafés lusófonos, encontramos uma série de tendências que enfatizam o sentimento português com referências culturais e políticas. Um passeio pela estação do Midi permite-nos encontrar referências a Portugal. O restaurante O Fadista, com a sua fachada decorada com as tradicionais guitarras portuguesas, é dedicado ao género musical mais português, o fado. Igualmente, o restaurante 25 d’abril faz uma referência à história política de Portugal, a 24 de abril de 1974, um golpe de estado militar contra o Estado Novo provoca um processo revolucionário conhecido como a Revolução dos Cravos, que terminou com cinquenta anos de ditadura. Em Flagey, as letras portuguesas estão também representadas com um restaurante dedicado ao escritor dos cem heterónimos e autor do célebre Livro do Desassossego, Fernando Pessoa. O restaurante Pessoa tem igualmente a imagem do escritor no logótipo. As referências geográficas estão também muito estendidas: em Saint-Gilles, podemos encontrar o restaurante Coimbra ou o Café Lisboa, em referência às duas cidades portuguesas. Os rios também estão presentes com o café Douro, o rio que travessa a Península Ibérica e desemboca no Atlântico, na cidade do Porto. Ou também o café Rio Mondego, perto da praça Flagey, e que tem o nome do rio que atravessa a cidade de Coimbra.

Mas não podemos esquecer um elemento indispensável da cultura portuguesa do século XX: o futebol. Assim, o café Le bom porto tem os brasões de alguns clubes portugueses entre os quais, cremos, o F.C. Porto é o predileto.

Para além dos nomes dos cafés e restaurantes, há um outro elemento que nos indica que estamos em frente de um local lusófono: a cerveja. Pode parecer assombroso que no país da cerveja, sejam as cervejas estrangeiras aquelas que são bebidas, mas basta só pesquisar um cartaz ou pequenas garrafas Super Bock ou Sagres, as duas cervejas mais difundidas em Portugal, para saber que esse é um local frequentado por lusófonos.

E os brasileiros, têm também as suas lojas e cafés? Efetivamente. A emigração brasileira chega mais tarde que a portuguesa, é natural que ela vá seguir os passos dos emigrantes da antiga metrópole. Hoje, com as lojas e cafés fechados e sendo estrangeiro, tenho dificuldade em distinguir os dois, mas podemos encontrar cafés com nomes tal como Carioca, o gentílico do Rio de Janeiro, que podemos pensar que é administrado por brasileiros. Não obstante, é interessante que a utilização da bandeira nacional parece mais difundida nos comércios brasileiros, enquanto que os comércios portugueses utilizam outros símbolos como a guitarra portuguesa, o galo ou os motivos vermelho e verde (ao mesmo tempo as cores da bandeira portuguesa e de Bruxelas).

Se estabelecemos comparação com os cafés sobreviventes da comunidade espanhola, algumas semelhanças são visíveis: primeiramente, os nomes ligados às cidades e geografia são muito habituais Astúrias, Llanes, Cabraliego, Flor de Astúrias fazem referência a cidades e elementos da região de Astúrias, donde são originários a maioria dos emigrantes espanhóis. Aqui, os rios também estão presentes com o café Guadalquivir ou o futebol com o café Real Madrid. Não obstante, a maioria dos cafés da primeira geração espanhola despareceu, mudaram os clientes emigrantes pelos locais ou os administradores são originários duma outra comunidade, como os brasileiros.

Na segunda metade dos anos 1970, Portugal e a Espanha experimentaram processos de democratização e, desde 1986, integraram a Comunidade Económica Europeia. Isto mudou as dinâmicas da emigração. Contudo, a crise económica do 2008 levou a uma nova geração de emigrantes ibéricos nos países do norte da Europa (Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas 2014) (Observatório da emigração 2020). Sociologicamente, esta geração é muito diferente da dos seus predecessores. As suas sociabilidades e referentes culturais são muito mais mundializados (Pena Pires et al. 2020), no entanto, onde ainda haja as Saudades, haverá espaços onde os emigrantes voltarão para estarem próximos das suas origens.

Referências bibliográficas

ALVES D., 2015, “Retratos da emigração portuguesa em França”, RTP, https://ensina.rtp.pt/artigo/retratos-da-emigracao-portuguesa-em-franca/, consultado a 21/01/2021.
LUSO, 2014, “Os Portugueses na Bélgica”, Luso.eu, https://www.luso.eu/comunidades/os-portugueses-na-belgica.html, consultado a 21/01/2021.
NICOLAU T., 2014, “Sessenta anos de emigração portuguesa”, RTP, https://ensina.rtp.pt/artigo/sessenta-anos-de-emigracao-portuguesa/, consultado a 21/01/2021.
OBSERVATÓRIO DA EMIGRAÇÃO CENTRO DE INVESTIGAÇAO E ESTUDOS DE SOCIOLOGIA INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA, 2020, “Bélgica”Observatório da Emigraçao, http://observatorioemigracao.pt/np4/paises.html?id=21, consultado a 21/01/2021.
PENA PIRES R., PEREIRA C., AZEVEDO J., VIDIGAL I. e MOURA VEIGA C., 2020, “A emigração portuguesa no século XXI”, Sociologia, Problemas e Práticas, 94.
PORTAL DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, 2014, RELATÓRIO DA EMIGRAÇÃO 2013, https://portaldascomunidades.mne.gov.pt/images/GADG/Destaques/DLFE-264.pdf, consultado a 21/01/2021.
Imagens
CAFÉ BELGA: https://www.flickr.com/photos/frf_kmeron/5082924697
PLACE FLAGEY: https://www.flickr.com/photos/copivolta/9486441151

revue roma blanc 120 Cet article a été rédigé pour la revue ROMA 1/2020 par Gerard Roig.
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